O Beijo no Asfalto (Out2019)




COM ENCENAÇÃO DE BRUNO PERILLO, O BEIJO NO ASFALTO  ESTREIA NO SESC SANTO ANDRÉ




Fotos de Leekyung Kim

Tragédia Carioca, escrita por Nelson Rodrigues em 1960, a pedido da atriz Fernanda Montenegro, O Beijo no Asfalto é um verdadeiro clássico da dramaturgia nacional




O Beijo no Asfalto talvez seja o maior legado do teatro rodrigueano ao poder do mundo midiático e todos os seus ilimitados desdobramentos, sua relação com o homem, suas consequências, sua moral, sua ética.

Clássico de Nelson Rodrigues, que estreia dia 18 de outubro, sexta-feira, às 21h, no Teatro do Sesc Santo André. Bruno Perillo assina a direção do espetáculo que conta com os atores Anderson Negreiros, Angela Ribeiro, Heitor Goldflus, Lucas Lentini, Mauro Schames, Natalia Gonsales, Rita Pisano, Roberto Audio e Valdir Rivaben.


Falando de um Rio de Janeiro de 60 anos atrás, a peça ressurge mais atual do que nunca. Nelson Rodrigues expõe, de modo claro e objetivo, o terror que se alastra por uma sociedade diante de uma notícia que se mostra fora do paradigma inconsciente da normalidade, que aparenta estar num plano de percepção diferente do senso comum estabelecido nesta mesma sociedade.


A notícia de que um homem beijou outro homem na boca, no meio da rua, no centro da grande cidade, é o suficiente para servir de célula para disseminar uma tragédia.


Arandir, o protagonista, catalisa em si tudo o que resta de vida humana, em seu sentido simbólico mais poético e fraterno possível. Após este simples e singelo ato (mas indubitavelmente raro e belo) – o beijo na boca de um homem atropelado e prestes a morrer – Arandir passa de mera testemunha de um acidente a acusado de um crime. Por que essa "fábula" trágica, desenhada tão bem por Nelson Rodrigues, nos é tão impactante ainda hoje?


Nossa busca, enquanto artistas e cidadãos, é a tentativa de reverter a cegueira cotidiana, rígida e impermeável (que nos faz sucumbir ao aniquilamento da poesia, do amor) e propor outros olhares possíveis para aquilo que nos cerca.


Em que momento passamos a ser regidos pelas notícias e opiniões ao redor? Em que lugar ficou a nossa capacidade de reflexão e discernimento, de empatia e sensibilidade?


O personagem Amado Ribeiro, o repórter, por sua vez, é o catalisador maior da tragédia. Ele é o rei das manchetes, o homem que domina o talento mais cafajeste numa sociedade.


É imprescindível que se veja no palco esta figura de um jeito cru, no que ele tem de mais nocivo e sórdido; e não da maneira em que costumeiramente vemos os canalhas, “maquiados”.


O nosso mundo só lê manchetes. As manchetes são basicamente aquilo que o nosso mundo é, no aqui e no agora do hoje. Twitter, Facebook, Instagram, Whatsapp e outros afins, são gigantes canalizadores e reprodutores de manchetes e/ou “notícias”, e das mais infinitas opiniões.


A grande desgraça que se abate sobre Arandir talvez seja a intromissão e a usurpação, em sua intimidade mais profunda, de uma alienação e de uma ignorância tóxicas endêmicas, que se originam nos mais antigos resquícios da nossa fundação de país. O pequeno ato de Arandir é um gigantesco ato de resistência.


A devastação de sua privacidade é a consequência direta de sua condenação. Um beijo entre dois homens, no meio da rua, diante da bandeira nacional, é atitude pública inadmissível.


À parte e somando-se a tudo isso, a escolha de um ator negro para o papel de Arandir (o ator Anderson Negreiros) traz instantaneamente novas camadas de conexões, arrastando junto uma história de 500 anos de um Brasil repleto de contradições inexoráveis em sua fragilíssima identidade.


Proposta de Encenação



A encenação partirá da ideia de se realizar uma radiografia do texto, para tentar extrair o que consideramos a sua essência. Para tentar investigar, com um olhar aprofundado, as raízes dos acontecimentos que se abatem sobre os personagens, e as suas questões mais relevantes para o Brasil de hoje.


O texto ágil, potente e fracionado (em total sujeição ao mote principal) é ação. A ação, por sua vez, é diálogo. Tudo principia em decorrência de um evento (o beijo) que se dá em plena rua, na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro, diante de muitas testemunhas e centenas de transeuntes.


Não há, por assim dizer, necessidade alguma de se estabelecer no palco qualquer espécie de formalização cenográfica. Pelo contrário, vamos trabalhar no sentido de conceber um campo simbólico para todo o desenrolar da trama, como se tudo ocorresse num espaço público.


A ação dramática se avoluma a cada fala, a cada quadro, e se torna autossuficiente, na medida em que se atinja a enorme autenticidade contida nas falas. Aos poucos, elas nos revelam o deserto interior de cada um dos personagens (em contraposição a Arandir), o deserto de amor cuja secura será a matéria do incêndio em que se transforma o horror difundido por Amado.


A simplicidade estética, em benefício da eficiência da narrativa, será a nossa busca. O elenco permanecerá o tempo todo no palco, seja no foco da cena, seja compondo imagens em relação ao foco, mas nunca passivamente (sempre como um grande olhar externo julgador).


Os objetos cênicos irão assumir diversas posições e funções ao longo da montagem. A alegoria do “rolo compressor” - que assenta o asfalto, mas que remete a um enquadramento generalizado da sociedade, e também à rotativa, a máquina que imprime os jornais - é uma imagem que nos apontará caminhos para a encenação.


As interpretações vão caminhar no sentido de tentar expor, no limite, o jogo bárbaro da manipulação, em contraponto ao que vamos chamar de campo poético da existência. Como num raio X, queremos explicitar as entranhas desse texto, sem subterfúgios, e sem qualquer traço de caricatura.




Sinopse

Um atropelamento. Um homem cai no asfalto, em plena Praça da Bandeira, Rio de Janeiro. Na sua agonia, pede um beijo a outro homem que correu em seu auxílio. O beijo acontece, o atropelado morre, a multidão ao redor testemunhou. A partir desse acontecimento, uma tragédia se desenrola. O beijo no asfalto desmascara, com visceralidade, as raízes da sociedade brasileira, suas características, vícios e estigmas mais profundos.


O BEIJO NO ASFALTO – Estreia dia 18 de outubro, sexta-feira, às 21h, no Teatro do Sesc Santo André. Texto – Nelson Rodrigues Direção – Bruno Perillo. Elenco – Anderson Negreiros, Angela Ribeiro, Heitor Goldflus, Lucas Lentini, Mauro Schames, Natalia Gonsales, Rita Pisano, Roberto Audio e Valdir Rivaben. Assistente de Direção – Fabio Mráz. Cenografia – Marisa Bentivegna. Figurino – Anne Cerruti. Assistente de Figurino Adriana Barreto. Iluminação – Aline Santini. Trilha Sonora – Dr. Morris. Fotos Kim Leekyung. Produtor Executivo – Fabrício Síndice. Direção de Produção – Edinho Rodrigues (Brancalyone Produções). Realização – Sesc SP. Duração – 80 minutos. Recomendado para maiores de 14 anos. Temporada – Até 10 de novembro – sextas-feiras às 21h, sábados, às 20h e domingos, às 19h. Ingressos – R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (meia: estudante, servidor de escola pública, + 60 anos, aposentados e pessoas com deficiência); R$ 9,00 (credencial Sesc).


SESC SANTO ANDRÉ – R. Tamarutaca, 302 - Vila Guiomar, Santo André. Telefone – (11) 4469-1200. Capacidade do Teatro – 302 lugares. Bilheteria – De terça a sexta-feira, das 12h às 21h30, sábado, das 10h às 21h30 e domingo e feriado, das 10h às 18h30.


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